VIVENDO, AMANDO & APRENDENDO


“Logo no Prefácio, o autor cita Nikos Kazantzakis que diz que os professores ideais são aqueles que constroem pontes e convidam seus alunos a atravessá-las e depois, tendo facilitado sua travessia, encoraja-os a construírem suas próprias pontes.”
Por Elenilson Nascimento
É muito difícil ensinar alguém a ler porque não é um processo didático. Você pode se contaminar com um “vírus”, transmitir um gosto, compartilhar um entusiasmo, mas ensinar os outros a terem amor aos livros é uma coisa complicada. E como a nossa educação é uma piada, a coisa se complica ainda mais. Contudo, o exemplo do professor que lê do que aquele que só exige leitura como atividade em classe é um paradoxo.
Em nossa sociedade, existe pouca valorização para o ato da leitura. Temos a visão de que a pessoa que lê é alguém estranha, esquisita, sempre escondida atrás de óculos, além do estereótipo de que não faz sucesso com as garotas ou com os garotos. Eu, por exemplo, sou tudo isso e mais um pouco. Assim, desde pequena, a criança vai aprendendo a valorizar mais o corpo, a malhação, do que a leitura. O ideal de muitos professores, por exemplo, é frequentar mais uma academia de ginástica e não uma biblioteca. Uma triste realidade em nossa sociedade do consumo.
Nesse livro “Vivendo, Amando & Aprendendo”, o professor e autor Leo Buscaglia(*autor do livro igualmente interessante “Amor”) questiona justamente esses valores efêmeros entre os educadores, nessa coletânea de palestras realizadas em diversos países entre os anos de 1970 e 1981. Alguns dos textos foram publicados anteriormente em livros e artigos de revistas, outros são transcrições inéditas.
Hoje, ninguém ousaria duvidar da importância da leitura ou da relação dessa com o sucesso ou insucesso escolar. Muitos professores aproveitam o tema para questionar as diferentes formas de leitura do mundo contemporâneo, mas são incapazes de abrirem um livro, além do comum de todos das suas matérias.
Em “Vivendo, Amando & Aprendendo”, o autor parece querer “cutucar” os coleguinhas de tablado e pó de giz, pois o tempo todo parece querer dizer que viver no amor é o maior desafio da vida. E viver amando, como educador, deveria ser uma prioridade, pois exige mais sutileza, flexibilidade, sensibilidade, compreensão, aceitação, tolerância, conhecimento e força do que qualquer outro esforço ou emoção, pois o amor e o mundo de hoje atuam como se fossem duas grandes forças contraditórias. Mas, infelizmente, a grande maioria dos educadores passa bem longe disso.
“Imaginem como seria o mundo se todos nesta sala tivessem a oportunidade de serem encorajados a serem um ser humano singular. Mas sabem o que é que me parece? Que a essência do nosso sistema educacional é tornar todos iguais uns aos outros”, escreveu o autor. E complementa: “Precisamos de gente forte na educação, que esteja disposta a se levantar e dizer: ‘Isso é hipocrisia, e não vamos mais fazer isso’. Pessoas dispostas a dizerem: ‘Não, temos de fazer mudanças, senão vamos nos destruir”.

ANALFABETO FUNCIONAL – É consenso a necessidade de os professores de todas as áreas têm de que seus alunos sejam melhores. Analfabeto funcional, hoje em dia, é um conceito frequente na maioria das rodas de professores que aflitos com as dificuldades de grande parte do alunado em entender até mesmo enunciados simples, veem impossibilitado o processo da aprendizagem formal. A ausência de políticas públicas eficazes para a realização de projetos de leitura é sentida e reclamada. Não que não existam. É que os poucos que temos e os resultados inexpressivos desses contribuem para pensarmos que muito há para se fazer.
Admiro e respeito muito o entusiasmo do autor com relação à educação, mas, infelizmente, no Brasil, a situação é bem diferente. Como os professores vão falar de amor, livros e prosperidade, se nem mesmo eles são motivados para tal. Fico pensando se as pessoas, todas as pessoas, terão um dia uma única chance de viver, amar e aprender. Fico pensando se, o amor, o verdadeiro amor, seja algo que alguns, ficarão apenas na vontade e no sonho. E essas são as mesmas pessoas que temem deixar transparecer sua fragilidade e vivem numa redoma emocional invisível e permanente.
O autor aconselha: “Se você não sente entusiasmo todo dia, ao pensar em entrar naquela sala com todos os guris de olhos brilhantes à sua espera, para ajudá-los a chegarem àquela mesa, então dê o fora do magistério!”. Pois foi exatamente isso que eu fiz! A maioria da população no Brasil é tão carente de tudo que nunca teve contato com livros. Não se pode esperar que os pais sejam responsabilizados em servir de exemplo para os filhos. A escola é que deveria ter a obrigação de fazer isso. Mas isso está bem longe de acontecer!
O autor também desabafa: “Detesto ser chamado de professor. Um professor professa, e há professores demais que professam” (...) O professor que pensa que ele ou ela sabe todas as respostas é o maior logro do mundo!”  Mas qual seria o melhor caminho? Campanhas de incentivo? É o público que lê e que deveria ter um censo crítico. Homem comum não lê literatura, salvo pouquíssimos e maravilhosos, que são os que me interessam. A maioria dos homens lê romance de espionagem ou de luta, ou Harry Potter e vampiros que parecem fadinhas, quando não lê apenas as coisas utilitárias para a profissão. Os homens já leram, em outras gerações. Mas, hoje, a vida está muito competitiva, acham que é perda de tempo, é um mistério. Abriram mão de uma conquista: o poder de imaginar. Parecem estar treinados, desde o ensino médio, que orienta demasiadamente para ciência e tecnologia e pouco para as humanidades e as artes.
“Por outro lado, o homem deveria saber que só sendo vulnerável pode verdadeiramente oferecer e aceitar amor e educação. Ao mesmo tempo sabe que, se revelar essa vulnerabilidade na vida diária, em geral, corre o risco de ser explorado, de levarem vantagem sobre ele. Sente que, se mantiver uma parte de si mesmo em reserva para proteger essa vulnerabilidade, sempre receberá de volta apenas uma parcela do amor que dá. Portanto, sua única chance de ter um amor profundo é dar tudo o que tem”, escreveu o autor.
Mas o risco da desilusão, do fracasso, e do fim não devem impedir ninguém de buscar a felicidade e sua própria evolução, pois todos eles são efêmeros, sentimentos e sensações que vêm e vão. Os bons e os ruins. E nisso o autor acertou! “A coisa mais difícil é ser o que os outros querem que você seja”.
Então, segundo o autor, não estamos aqui para competir o tempo todo com as pessoas, com os sentimentos, com o sistema... não. Estamos aqui para conquistar nosso lugar no coração das pessoas, para amar e ser amado, para vencer dentro de nosso próprio Universo.
Agora também vou confessar uma coisa aqui nessa resenha do livro do Leo. Eu,Elenilson, sou parte de uma geração pós ditadura que começou a escrever para fugir da realidade, quando a literatura infantil, poesia e letras de músicas são as únicas formas de literatura que, usando linguagem poética e simbólica, podem dizer algo mais, passar mensagens de liberdade individual e respeito aos direitos humanos. Mas vivemos um momento em que as coisas são mais complexas do que apenas mocinho e bandido, preto-e-branco. Mas o maniqueísmo das histórias infantis clássicas, em que nunca embarquei, graças a Deus, está sendo usado hoje pela imprensa para falar do Brasil. Leo Buscaglia escreveu muitas coisa interessantes nesse livro, principalmente quando questiona à educação e a função dos professore: “As estatísticas mostram que a média dos que têm diploma – isso pode ser um choque – lê, talvez, um livro por ano, depois de diplomados”. Isso quando leem! Por isso que eu acho o ensino superior velho, obsoleto e inútil! O autor nos ensina também que “sabedoria é se dar conta de que você não sabe nada”, mas dentro das universidades se pregam o oposto! 
MARILYN MONROE – Lindo mesmo foi a parte em que o Leo Buscaglia cita uma história envolvendo o autor Arthur Miller e Marilyn:  “Não sei quantos de vocês conhecem a linda pela de  Arthur Miller, intitulada ‘Depois da Queda’. Ele a escreveu logo depois do suicídio de MM, que tinha sido sua mulher, e tentou perguntar o que eu procurei me perguntar antes, o que talvez muitos de vocês já se perguntaram: o que eu poderia ter feito para salvar alguém, na minha vida? Aquela peça dizia: ‘Tenho que aprender a perdoar. Aos outros e a mim mesmo”. 
O mais triste, depois da leitura desse livro, é que temos a sensação de que os formadores de opinião e a imprensa, hoje, estão menos preparadas. Antigamente, os jornalistas eram poucos, geralmente autodidatas, e tinham uma atitude erudita sobre a realidade. Hoje, sai gente formada de escola de comunicação que não leu nem Paulo Coelho, Monteiro Lobato, quanto mais Sérgio Buarque, Elenilson Nascimento, Raymundo Faoro e etc. Não tem termo de comparação. Sou jornalista e sei que, hoje, o acesso às faculdades de comunicação está mais democratizado. Estamos numa transição. Espero que, com o tempo, os que têm mais talento se destaquem, não apenas porque nasceram em um berço melhor. Mas, como disse o Leo: “O visível aos olhos é tão limitado e tão pequeno”.
Falamos muito para os alunos sobre a importância de ler e com certeza gostaríamos que todos fossem leitores eficientes. Sabemos que os jovens mais carentes não vêm de famílias letradas e identificamos isso como um grande problema. E é. Enfim, culpamos o Estado, a família e nos apegamos ao discurso de que a escola não pode tudo. E não pode mesmo. Mas é o mea culpa quem já fez? Leo argumenta: “Quando me vi diante daquela grande turma universitária pela primeira vez, descobri que tínhamos criado um bando de pessoas apáticas, pessoas tão fartas do estudo que, quando você entra na sala de aula, entusiasmado com o que tinha a partilhar, só encontrava os topos das cabeças deles...”





Em suma, o livro “Vivendo, Amando & Aprendendo”, do professor e autor italiano com mania de abraçar e dançar entre folhas é simplesmente maravilhoso. E para finalizar, tem um trecho pungente retirado de um outro livro de Haim Ginott que sintetiza bem o que estamos fazendo na educação: “Sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhuma pessoa devia presenciar. Câmara de gás construídas por engenheiros ilustrados. Crianças envenenadas por médicos instruídos. Bebês mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês mortos a tiros por ginasianos e universitários. Assim, desconfio da educação (...) ler e escrever, saber História e Aritmética só são importantes se servem para tornar os nossos estudantes humanos”.  Quem ainda não leu esse livro de Leo Buscaglia certamente vai gostar, além de deixá-lo completamente tomado por um sentimento único: o Amor. Tão delicadamente explicado, ensinado e distribuído por essas páginas que fica difícil, ao terminar a leitura, não se sentir uma pessoa melhor. Buscaglia, com seu jeito tão simples, com sua linguagem quase que familiar, vem nos dizer de que forma o Amor é um modificador de comportamentos. (“VIVENDO, AMANDO & APRENDENDO”, de Leo Buscaglia, educação, 275 págs, 25ª edição, Nova Era Editora – 2001) 

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