Transtorno do Espectro Histérico 

                       Ao tratarmos da histeria, estaremos falando de um aspecto psíquico e comportamental eminentemente humano e, ao sublinhar no subtítulo desse caderno a expressão "um pouco sobre a hipocrisia humana", estamos nos referindo a uma espécie de desonestidade mental das pessoas para com os outros e para consigo próprias.


    O termo hipocrisia é usado "no bom sentido, é claro", tendo em vista o aspecto involuntário (na maioria das vezes) desse tipo de atitude. Para o entendimento acadêmico de todas as formas de Histeria, recomendo a leitura das muitas páginas no site, agrupadas sob o título Transtorno do Espectro Histérico. Não obstante, essa revista especial tratará de outras explicações e considerações sobre a histeria, não apenas patológica e objeto de tratamento da psiquiatria mas, sobretudo, da histeria fisiológica, da qual todos nós padecemos um pouco.


             Para entender bem a teatralidade de cada um de nós, é importante refletir sobre o Egohumano, princípio de todas nossas dificuldades de relacionamento com os outros e conosco mesmos. A importância da compreensão do Ego humano diz respeito à todos os aspectos da convivência social, da violência em todos seus aspectos, das frustrações pessoais, enfim, estudando o Ego, estaremos estudando como se conduz o ser humano em sua vida. As 3 maneiras de Ser A representação da realidade ou do mundo à nossa volta, do qual nós mesmos fazemos parte, transcende significativamente a simples percepção neurológica que temos do mundo.


                    A representação da realidade é aquilo que o mundo representa para a pessoa, de acordo com suas emoções, seu afeto, sua cultura. Mesmos fatos, mesmas situações e mesmos acontecimentos podem ser experimentados por várias pessoas e podem ser representados por variadíssimas maneiras, ou seja, podem ter significados muito diferentes entre as pessoas.


               A guerra, por exemplo, onde participam milhares de pessoas, pode representar uma coisa diferente para cada um; embora seja traumática para a expressiva maioria das pessoas que dela participa, será mais traumática para outros, pode ser demasiadamente traumática para as pessoas emocionalmente mais sensíveis, pode ser apenas desagradável para alguns, e pode até ser boa para os vencedores e para os fanáticos, e assim por diante... Enfim, cada personalidade representou a guerra de uma maneira completamente diferente. 1. - Como eu sou para mim mesmo


                 O que a pessoa representa para si mesma é a chamada Auto-Estima. É como se a pessoa olhasse em um espelho hipotético e pudesse se avaliar. Normalmente há alguma discrepância entre aquilo que a pessoa pensa que é e aquilo que os outros acham que ela é.



       Em alguns casos não há uma "pequena discrepância" mas uma grande diferença entre a maneira como a pessoa se representa, daquilo que os outros acham que é. Quando isso acontece e origina algum sofrimento, seja da própria pessoa ou de quem a rodeia, quando isso propicia alguma dificuldade adaptativa podemos estar diante de um quadro patológico. Veja, por exemplo, a anorexia nervosa, onde a pessoa se representa gorda quando na realidade costuma ser magérrima.


 Aqui estão incluídos também todas as dismorfofobias, que são alterações do esquema corporal representados patologicamente por esses pacientes. Mas a representação que a pessoa faz dela mesma não é, evidentemente, apenas estética. Trata-se de uma auto-avaliação global, envolvendo a performance global da pessoa; sua competência, sua sensação de ser gostado, sua sorte, sua saúde física, seus atributos (positivos ou negativos), enfim, seriam as notas que a pessoa se auto atribui. Na depressão, por exemplo, a auto-estima tem discrepância para baixo, em relação àquilo que a pessoa é, enquanto nos estados eufóricos a discrepÂncia é para cima.



                        Nesse caso a pessoa se representa de maneira muito mais valorizada do que de fato é. Evidentemente a desadaptação dos eufóricos se dá na empáfia, arrogância, orgulho desmedido, tendência à humilhar, querelância e assim por diante. Os narcisistas, de acordo com traços de sua personalidade, têm sua própria auto-estima muito amplificada pelo valor idealizado. Eles tendem a insistir em ser atendidos apenas pelos "melhores" (médicos, advogados, instrutores, cabeleireiros) ou em afiliar-se às "melhores" instituições, mas podem desvalorizar as credenciais daqueles que os desapontam.


                 Normalmente eles exigem admiração excessiva mas sua auto-estima é, quase que invariavelmente, muito frágil. Eles podem preocupar-se com o modo como estão se saindo e no quanto são considerados pelos outros. Isto freqüentemente assume a forma de uma necessidade constante atenção e admiração. Os indivíduos com Transtorno da Personalidade Esquiva, devido a seus sentimentos de inadequação e baixa auto-estima, demonstram inibição em novas situações interpessoais.


                       Estão sempre em dúvida sobre sua competência social e atrativos pessoais, principalmente em situações que envolvem interações com estranhos. Essas pessoas se consideram socialmente ineptas, sem atrativos pessoais ou inferiores. 2. - Como eu sou para os outros O que nós representamos para os outros será sempre a nossa atitude interpessoal ou nossa postura social.


                    Vamos chamar esse desempenho social de Papel Social. Nossos papeis sociais são sempre diferentes nas diversas situações de nosso cotidiano. Nos apresentamos de diferentes formas estando na praia, no velório, no trabalho, no futebol e assim por diante. Podemos entender os papeis sociais como se fossem as roupas com as quais nos apresentamos aos outros.



          Normalmente, e em nome do bom senso, devemos nos apresentar adequadamente às expectativas de nosso público, portanto, de alguma forma estamos quase sempre desempenhando algum tipo de papel em atenção aos nossos expectadores, mais precisamente, de acordo com a expectativa cultural. Para o sucesso social do ser humano há sempre uma imperiosa necessidade de a pessoa se apresentar ao outro através de uma identidade pessoal adequada.

   
            Não se vai à praia com traje social e nem à um casamento de maiô. Embora isso seja democraticamente possível, corre-se o risco de uma internação psiquiátrica. A função dos papeis sociais está relacionada à própria identidade da pessoa em seu meio social, uma maneira desejável de se apresentar aos nossos semelhantes e assegurar uma identidade pessoal mais aceitável possível. Para Jung, os Papeis Sociaissignificam a Persona. Embora sejamos obrigados à adequar nosso vestuário às circunstâncias, continuamos sendo sempre a mesma pessoa; somos aquela mesma pessoa que se apresenta formalmente num jantar de gala e aquela que se apresenta descontraída na praia.


      O vestuário é capaz de modificar nossa identidade para nossos observadores, de tal forma que, vestindo roupas sociais (terno e gravata) não somos considerados da mesma maneira como se estivéssemos usando apenas roupas íntimas, embora sejamos a mesma pessoa. Apesar dos diversos papeis sociais, somos exatamente o mesmo que esbraveja e ofende durante uma partida de futebol e aquele que se penitencia e ora na igreja, somos a mesma pessoa que afere lucros e que faz caridade.


        O sucesso social da pessoa, tão glorificado pela nossa cultura, é conquistado na proporção de um bom desempenho artístico e, conseqüentemente, a aprovação social será de acordo com a qualidade do personagem que oferecemos aos nossos espectadores. Durante o correr do dia podemos desempenhar vários papeis sociais; somos pai, filho, esposo ou irmão compreensivos e amáveis dentro de casa, somos motoristas arrojados no trânsito, empresários ardilosos no banco, compradores exigentes ou vendedores flexíveis na empresa e assim por diante.


            O risco psíquico dos papeis sociais está no fato da pessoa poder confundir ela própria com o papel social que desempenha. Como diz a música de Chico Buarque, ... quem brincava de princesa acostumou com a fantasia..." Para evitar graves transtornos da adaptação e graves frustrações no convívio com os demais, devemos ter sempre a clara noção do ponto onde termina nosso papel social e começa nossa própria pessoa.

A sociedade define e caracteriza os diversos papeis sociais e, ao assumi-los, as pessoas devem se enquadrar naquilo que esperam deles os espectadores, sob o risco de serem excluídas do cenário social e devidamente apenadas. Por isso, acredita-se que o melhor modo de fazer alguém se tornar um certo tipo de pessoa, é atribuir-lhe características do papel social desejado.

Dizendo à criança que ela é uma boa criança, a tendência é que assuma, de fato, o papel de boa criança. E o inverso parece ser verdadeiro. O soldado deve ser corajoso, o filho amoroso, a sogra ciumenta, o psiquiatra compreensivo, o financista frio, o sacerdote atencioso, e assim por diante e, porque se espera deles essas características, assim serão.

Algumas patologias se caracterizam pelo papel social de doente, que o paciente "assume" como verdadeiro. Veja algumas delas: Síndrome de Münchausen Síndrome de Ganser Transtornos Conversivos Transtornos Dissociativos Hipocondria 3. - Como eu sou de fato Por mais que eu queira me representar sendo maior do que sou, menor do que sou ou diferente do que sou, de uma realidade eu não conseguirei escapar: sou, de fato, um representante da espécie humana, tanto quanto o são todos meus semelhantes. Esse aspecto do ser (ser humano) desaponta algumas pessoas que se julgam muito diferentes.

Estamos falando da essência humana e não da função humana; somos todos essencialmente iguais e funcionalmente diferentes. Portanto, habita em nossa personalidade todos os traços encontrados nas demais pessoas mas, apesar de não haver nada de especial em nós que não haja em todas as pessoas, a combinação desses traços em nosso interior é que nos fazem únicos e exclusivos.

 Se fosse possível listar todas as características do ser humano, tais como lealdade, ambição, fraternidade, inveja, maldade, companheirismo, egoísmo, caridade, etc., veríamos que esses infindáveis atributos, independentemente de seus méritos e deméritos, existem todos em nossa própria pessoa, assim como existem em todas as pessoas.

Acontece que todas essas características se combinam entre si para constituir minha particular personalidade, umas características (traços) sobressaindo-se aos outros, algumas se manifestando em quantidades diversas, algumas permanecendo dormentes, enfim, todas se arranjam de forma a nos tornar únicos. Alguns de nossos traços mais primitivos e instintivos são domesticados e passam a se apresentar socialmente dissimulados através dos papeis sociais.

A gula, a avidez, a sedução, a inclinação para a posse e o orgulho, por exemplo, podem ser perfeitamente domesticados e se apresentarão através dos mais variados subterfúgios sociais. A gula em bom apetite, a avidez em determinação, a sedução em simpatia, a inclinação para a posse em ambição e o orgulho em exercício de seus direitos. Da mesma forma, a vingança, a ira e a crueldade podem vestir uma roupagem de justiça, assim como o sentimento de culpa e a inclinação à barganha com vantagens podem se apresentar socialmente como atitudes caridosas e filantrópicas.

 Normalmente temos uma tendência em recriminar nos outros as coisas que não conseguimos ou não nos permitimos (o que dá no mesmo) fazer. Causa-nos profundo constrangimento e irritação observar nos outros a manifestação livre de alguns traços primitivos, os quais não nos permitimos usar tão escraxadamente. Entretanto, consultando nossa intimidade, veremos que possuímos também esses mesmos traços. Apenas não nos permitimos usá-los.

Diante da frustração de vermos nos outros as atitudes que não nos permitimos mas que pululam dentro de nós, primeiro dissimulamos essa nossa incapacidade sob rótulos socialmente enobrecedores, tais como "prefiro ficar com a consciência tranqüila" ou"isso está moralmente errado", ou finalmente, "quero estar de bem com Deus".

Depois, condenamos as pessoas que procedem dessa forma deplorável. Veja, por exemplo, nosso sentimento de rancor ao vermos, num congestionamento de trânsito, pessoas que passam pelo acostamento e nos deixam para trás.

Desejamos que encontrem um caminhão parado no acostamento que os impeça de prosseguir ou que tenha lá um policial austero e multe todos eles. Existe também em nós a pulsão da vantagem sobre os demais, tanto quanto existe nas pessoas que fazem valer fortemente essa inclinação. Poderíamos comparar esse "O Que Eu Sou de Fato" com a figura junguiana da Sombra. Para Jung a Sombra inclui as tendências, desejos, memórias e experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a manifestação pública da Persona(Papel Social) e contrárias aos padrões e ideais sociais.



 E esse "O Que Eu Sou de Fato" representaria não apenas as peculiaridades humanas impossíveis de serem demonstradas em estado bruto, mas também os atributos meritosos, como a necessidade de carinho, de amor, de compreensão, etc. Excluindo-se aberrações e anomalias de nossa espécie, somos o mesmo que o outro, tão humano quanto ele, tão ávidos de prazeres, tão necessitados de bem-estar quanto ele e, se alguma grande diferença pode ser observada, é o fato de estarmos do lado de cá do balcão e ele, o outro, do lado de lá.

Como o tema desse caderno especial é a Histeria, podemos dizer, sem nenhum medo de errar, que o traço histriônico, histérico, está presente em graus variados em todos nós. Você pode ver mais artigos nos temas importantes ao lado.

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